Audiência Pública discutiu o Hip Hop como elemento de cultura, educação e cidadania

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Com o tema “O Hip Hop como elemento de cultura, educação e cidadania”, a Assembleia Legislativa de Sergipe realizou Audiência Pública, na manhã desta sexta-feira, 18, por iniciativa do deputado estadual Iran Barbosa, do PT. Debateram o tema os ativistas do movimento, Gerffeson Santos Santana (Mano Sinho) e Iza Jakeline Barros (Negratcha); a MC e estudante de Ciências Sociais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Yala Thamires Souza Santos; o rapper e advogado Thiago Borges e o rapper e apresentador Anderson Clayton Passos (Hot Black).

Para o deputado Iran Barbosa, o tema proposto tem alcance social e interessa a sociedade, de forma que abrir o espaço do Parlamento Estadual para essa discussão é fundamental.

“É um tema que nos interessa e que precisa ser aprofundado por todos aqueles que lidam com a coisa pública e, por ter penetração na juventude, deve estar na agenda prioritária da nossa sociedade. Esperamos, a partir dessa audiência pública, tirar encaminhamentos importantes para a construção de políticas de valorização dessa rica cultura, que é o Hip Hop, até porque nós sempre apostamos no protagonismo juvenil”, destacou.

O ativista do movimento, Gerffeson Santo Santana, mais conhecido como Mano Sinho, destacou a importância de a periferia estar tendo voz e vez no Parlamento, um espaço político que pouco se abre para as populações periféricas. Para ele, o Hip Hop é um divisor de águas na vida de muitos jovens negros e pobres que, como ele, enfrentam as enormes dificuldades, no convívio com a pobreza e a falta de oportunidades.

“Assim como eu, que aos 11 anos descobri o Hip Hop, que me fez entender quem eu era e onde estava, o movimento é o ponto de partida para muitos jovens iniciarem uma mudança de vida. Foi através do Hip Hop que pude fazer leituras do mundo e entender o porquê das desigualdades sociais, que são estruturais e precisam ser enfrentadas e mudadas. O Hip Hop veio como movimento de contracultura para contestar os dilemas vividos pela periferia e empoderar a nossa juventude marginalizada”, afirmou.

Mano Sinho destacou, ainda, os quatro elementos que caracterizam o Hip Hop e fazem deste um movimento único: a dança (breaking), o grafite, a discotecagem (DJ) e o rap.

Mano Sinho destacou a importância de a periferia estar tendo voz e vez no Parlamento

“São esses quatro elementos que, juntos, formam a cultura do Hip Hop e que servem como instrumentos para denunciar as nossas angústias e dilemas, com arte e músicas com letras cheias de contestação e política. Precisamos é de mais políticas públicas e apoio estrutural, assim como precisamos lutar contra esse projeto em curso que impõe a violência como um mercado e não abre espaço para empoderar a periferia, tampouco os nossos jovens”, apontou.

Fórum de Mulheres

Iza Jakeline Barros, a Negratcha, centrou a sua fala na questão da inserção das mulheres dentro do movimento Hip Hop e na dificuldade de se fazer eventos voltados para esse público. Ela relatou a extrema dificuldade que o movimento enfrenta, por exemplo, para estar levando a cultura e as ferramentas do Hip Hop para dentro de escolas e espaços públicos de saúde e assistência social como os CRAS.

Negratcha destacou a experiência vivida com a realização do 7º Fórum Nacional de Mulheres do Hip Hop, que aconteceu nos dias 27, 28 e 29 de setembro, em Aracaju, e reuniu cerca de 200 mulheres de todo o Brasil.

“Foi algo muito difícil de realizar e que exigiu muito esforço, porque muitas vezes faltou apoio do poder público até para alimentação dos participantes; então foi um grande desafio, mas, juntas, conseguimos realizar o evento, discutir os problemas e propor políticas públicas para as mulheres do Hip Hop. Abriu-se um leque de possibilidades e conseguimos produzir uma Carta de Intenções que será entregue ao Congresso Nacional. Esperamos que ela seja aceita e validada para a gente consolide o movimento Hip Hop no país”, afirmou.

Negratcha centrou a sua fala na questão da inserção das mulheres dentro do movimento Hip Hop

Para a militante, mais que uma manifestação cultural, o Hip Hop é um movimento de resistência e resgate da juventude muitas vezes criminalizada das periferias das cidades. “Sendo assim, é preciso que ele entre nas escolas e nos espaços onde possamos lidar diretamente com adolescentes em situação de vulnerabilidade social. Essa é uma forma importante de resgatar essa juventude para o lado bom da vida, tratando desde temas de enfrentamento à violência até a inserção da mulher na cultura e nos demais espaços da sociedade. Muitas vezes, essas informações só chegam nos nossos jovens através do diálogo com o Hip Hop”, explicou.

Mulheres na Luta

A MC e estudante de Ciências Sociais da UFS, Yala Souza, fez uma fala forte e emocionante sobre como o Hip Hop transformou a sua vida e como, a partir do envolvimento no movimento e no coletivo Nação Mulheres de Luta, ela compreende melhor a realidade das mulheres e a necessidade de levar a discussão dentro dos espaços de juventude e de mulheres nas periferias marginalizadas.

“Hoje eu tenho o privilégio de estar numa universidade, onde tenho acesso a muitas informações, mas posso dizer que o primeiro entendimento que eu tive sobre luta de classes, sobre opressão de raça e que essa opressão que nós negros da periferia sofremos é fruto das mazelas de uma sociedade excludente, foi o movimento Hip Hop que me passou; ele educa e educa muito, porque fomenta arte e educação para quem muitas vezes não tem nem o que comer e vive numa realidade de violência e de opressão”, disse Yala.

Para a MC e universitária, não é possível mais relativizar a realidade vivida pelas populações das periferias, em sua ampla maioria de negros e jovens, sem o apoio e presença do Estado, que só chega como força policial para oprimir.

Yala Souza fez uma fala forte e emocionante sobre como o Hip Hop transformou a sua vida

“Essas pautas que estamos aqui discutindo são sérias e precisam ser levadas a sério. Muitos acham que o que estamos falando é ‘mimimi’, não é. Não é normal eu entrar na minha ‘quebrada’ e ver um jovem morto; ver muitos jovens que não têm sequer o ensino médio e que não sonham em chegar a uma universidade; ver mulheres que são mães, trabalham e ainda assim lutam muito para se realizarem”, afirmou, cobrando do Poder Público o cumprimento da Lei Estadual 8.055/2015, que institui a Semana Estadual do Hip Hop, e pedindo mais respeito e apoio ao movimento.

Direito constitucional

O rapper e advogado Thiago Borges destacou que o Hip Hop lhe possibilitou uma visão mais ampliada e sensível da sociedade e dos problemas em que vivem as populações das periferias do país e que o movimento, por sua inserção nas áreas marginalizadas pela sociedade, muitas vezes assume tarefas que seriam do Estado, asseguradas na Constituição, como o direito à alimentação, saúde, educação e outros.

“Nós sabemos para quem as leis funcionam e para quem elas não funcionam. O Hip Hop, como movimento, dá vez e voz àqueles que ficam às margens da sociedade, nas periferias, para quem o Poder Público não olha. E como o movimento tem compromisso social, ele assume, muitas vezes o lugar do Estado, resgatando jovens da fome, da miséria e da criminalidade. Então, ele é sim instrumento de cultura, educação e cidadania”, apontou.

Para ele, o Hip Hop é um movimento não só de resistência, mas de insistência de muitos que não se cansam de lutar pelos que estão nas periferias, através da arte e da música. “São pessoas que não aceitam ser subjugadas ou simplesmente jogadas na miséria, e aí se unem e se ajudam, estendendo as mãos uns para os outros. Essa é a força do movimento”, disse.

Thiago Borges destacou que o Hip Hop lhe possibilitou uma visão mais ampliada e sensível da sociedade

De acordo com Thiago Borges, a prática e a disseminação do Hip Hop devem ser fomentadas pelo Poder Público como garantia do direito de livre manifestação do pensamento e também do direito da população a ter acesso à cultura, sendo necessário cobrar a formulação e o cumprimento de instrumentos legais que façam com o que os gestores públicos tenham mais compromisso com esses direitos, apontando, como exemplo, a Lei 4.064/2011, que institui a Semana Municipal do Hip Hop, no âmbito de Aracaju.

Lei estadual

Último expositor da manhã, o rapper e apresentador Anderson Clayton Passos, o Hot Black, reforçou a importância do Hip Hop como meio para que a juventude das periferias possam ter acesso a outros espaços, inclusive o político. Ele também lembrou a existência, no âmbito do Estado, da Lei N° 8.055/2015, que não foi regulamentada.

“Ela foi sancionada mas, de concreto, nada aconteceu, nem há orçamento previsto para a cultura, para que possa haver investimento nas periferias das nossas cidades. Aliás, nenhuma política de cultura é ofertada para essas periferias, a não ser a do silenciamento, que é a política que aprisiona e que mata. Entendemos que o Hip Hop é um instrumento de cultura que pode ajudar e muito a esse juventude que vive totalmente assediada pelo mundo da violência e do crime, transformando toda a sua energia em arte”, enfatiza Hot Black.

O rapper entende que o debate na Alese vai ajudar a sensibilizar os parlamentares para a necessidade de leis que apoiem o movimento e na pressão para que recursos orçamentários cheguem para políticas de cultura nas comunidades mais periféricas e necessitadas.

“O orçamento para a cultura já é muito baixo, mas, ainda assim, esses poucos recursos não chegam na periferia. Temos vários espaços ociosos que deveriam ser ocupados e entregues para quem quer produzir cultura e realizar atividades com a juventude e com as comunidades. É preciso tirar a cidadania do papel e fazer ela de fato acontecer”, disse.

Hot Black reforçou a importância do Hip Hop como meio de vida para a juventude das periferias

“Neste sentido, a sensibilidade do deputado Iran Barbosa é muito grande. Quando ele discutiu conosco e topou fazer esse debate aqui na Alese, ele mostrou que não vê a cultura nem os movimentos populares como algo fisiológico, ele acredita no potencial da juventude. Ele nos deu um direito de fala que antes não tínhamos; colocou a periferia num outro patamar, e isso é muito importante”, enalteceu o rapper e apresentador.

Encaminhamentos urgentes

O deputado Iran Barbosa destacou a qualidade do que foi apresentado por todos os palestrantes, que considerou de muita relevância e profundidade quanto às abordagens e às denúncias colocadas. Segundo o parlamentar, o que foi produzido na audiência terá continuidade e desdobramentos.

“Não vamos deixar que esse momento se resuma a apenas uma audiência. Quero parabenizar a todos que contribuíram, de forma muito rica, com o debate. E diante de dois pontos que foram colocados de forma mais candente, irei, junto com a minha assessoria, dar encaminhamentos imediatos: a insistência na regulamentação urgente da Lei Estadual 8.055/2015, que institui a Semana Estadual do Hip Hop; e a discussão e formulação de emendas às peças orçamentárias que assegurem mais recursos para a cultura, e que esses recursos possam chegar para projetos culturais nas periferias”, enfatizou Iran.

O petista apontou que apresentará Indicação ao Governo do Estado para que, dialogando com o movimento, formule como se dará, em âmbito estadual, a organização e a execução da Semana Estadual do Hip Hop, numa perspectiva de promoção desse movimento como cultura e como estilo de vida. Ele também destacou que, apesar do Orçamento ser uma peça elaborada pelo Poder Executivo, cabe aos parlamentares apresentarem emendas que possam melhorar a aplicação dos recursos do Estado.

“Já tramita na Casa o Plano Plurianual (PPA) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). A tarefa que nos cabe é procurar dialogar e construir com o movimento a apresentação de emendas a essas peças orçamentárias, para propor no Orçamento de 2020 recursos que ajudem a assegurar políticas, nas mais variadas secretarias, que dialoguem com o Hip Hop e com propostas de cultura para a nossa juventude. Fica aqui o meu compromisso nesse sentido”, afirmou Iran.