Audiência Pública debateu o tema ‘A Mulher e o Direito à Cidade’

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Debate atraiu professores e estudantes de Arquitetura e Urbanismo, além de outros interessados no tema

Por iniciativa do deputado Iran Barbosa, do PT, em parceria com o Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU/SE), a Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese) debateu, na tarde da quinta-feira (06), o tema ‘A Mulher e o Direito à Cidade’. A atividade, que contou com a presença de profissionais da área, professores e alunos de Arquitetura e Urbanismo, entre outros interessados no tema, fez parte do 1º Ciclo de Debates ‘Mulher na Arquitetura Nacional – Etapa Sergipe’ e teve palestras da arquiteta, urbanista e especialista em preservação e gestão do patrimônio cultural, Tainá de Paula Kapaz, e também da professora doutora em Educação da Universidade Federal de Sergipe (UFS), Sônia Meire de Jesus, além das intervenções da presidente do CAU/SE, Ana Maria Farias, da presidente do CAU/BA, Gilcinéa Barbosa, e da presidente do Departamento de Sergipe do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB), Renata Dantas Rosário Sachs, todas arquitetas e urbanistas.

O deputado Iran Barbosa parabenizou o CAU/SE por trazer o debate sobre mulheres e o direito à cidade para o parlamento estadual, lembrando que este ano as eleições serão municipais e que colocar esse tema em pauta é mais que urgente.

“2020 é ano eleitoral e esse é um debate que interessa e muito a todos aqueles que pensam e refletem sobre as cidades, em especial sobre como as nossas cidades precisam avançar para acolher as necessidades dessa parcela da sociedade, as mulheres, que já são tão discriminadas nos vários espaços sociais, seja dentro ou fora de casa, e que não encontram acolhida também nas políticas que lhes interessam no tocante a urbe, como o acesso a creches, mais segurança, transporte adequado, espaços de lazer e igualdade de tratamento em relação aos homens”, refletiu o parlamentar.

Ainda segundo Iran, que também é professor de História, é importante lembrar que, lá atrás, foram as mulheres as principais artífices da Revolução Agrícola que oportunizou a organização e o surgimento das cidades no mundo, durante a Revolução Urbana; mas, contraditoriamente, as mulheres terminaram sendo excluídas do espaço das cidades.

“E aqui estamos nós, ainda discutindo os nossos modelos de cidades e lutando para garantir às mulheres o seu devido lugar quando pensamos sobre o direito à cidade, o que reforça a necessidade de fazermos essas reflexões nesta audiência pública”, disse.

Debate iminentemente político

A professora doutora Sônia Meire fez uma longa explanação sobre o tema, apontando inúmeros problemas urbanos nas cidades, em especial na Grande Aracaju, e focando nos diversos problemas que afligem não só as mulheres, mas também negros, LGBTQI+, idosos, crianças e todos os segmentos vulneráveis da sociedade. Para ela, o debate sobre o direito à cidade é interseccional e eminentemente político, e não só técnico, como tem sido abordado e implementado pelas gestões que se sucedem.

“O direito à cidade passa, necessariamente, por eliminar a segregação e a exclusão impostas às mulheres, em especial, as negras, que são maioria, mesmo com todo o processo de negação da autodeclaração delas em toda a nossa história, e que hoje vivem nas periferias. Não há direito à cidade com privação de direitos elementares e a privatização dos serviços e dos espaços urbanos. Muitas vezes, as pessoas não têm acesso aos seus direitos por conta da privatização do solo, da saúde, da educação, do transporte. Não tem como falar em direito à cidade se a população é alijada do processo de construção da sua própria cidade, sob a sua ótica e a partir das suas necessidades, liberdades. Isso vale também para os negros, os LGBTQI+ e todas as minorias segregadas e marginalizadas nas nossas cidades”, apontou a professora.

Contra os retrocessos

A arquiteta e urbanista Tainá de Paula Kapaz, que atua nas áreas de habitação popular, planejamento urbano e arquitetura pública no Rio de Janeiro, destacou a importância do debate de equidade de gênero e do direito das mulheres sobre a cidade, em especial na atual conjuntura do país, repleta de retrocessos de toda ordem. Para ela, o desafio do debate sobre a mulher e o direito à cidade traz a reflexão sobre a própria concepção de construção dos espaços urbanos e como a desigualdade de gênero e raça se estabelece de forma tão estruturante.

“Infelizmente, o debate sobre equidade de gênero e de raça tem uma agenda ainda muito travada no Brasil, enquanto no mundo civilizado ela tem avançado. Barcelona, por exemplo, tem um Plano Diretor que, há 20 anos, contempla coisas como a obrigatoriedade de fraldários em todas as estações de transportes modais, algo ainda impensável para nós”, apontou.

Ela também abordou a necessidade de se ter conselhos das cidades com paridade de gênero, idade e raça; de respeito ao que está estabelecido na Constituição Federal – apesar do processo de desfiguração que vem sofrendo; de dar visibilidade e assistência às áreas “cinzas” das cidades, zonas periféricas que ainda carecem de legalização cartorial e territorial; e de mais presença das mulheres nos espaços decisórios e de poder.

Tainá de Paula também trouxe dados alarmantes, que mostram que a propriedade da terra, no Brasil, está longe de ser democrática. Segundo ela, apenas 1,5% das grandes glebas está nas mãos de negros e pardos, e apenas 2,5% delas estão nas mãos de mulheres.

“Esse é um recorte econômico, de gênero e de raça grave, abissal e assustador. Se o raciocínio da lógica privada e do direito à terra é determinante para a humanização, acaba-se por ter uma construção subliminar que diz que mulheres e negros que não têm propriedades, não importam”, disse.

Outros problemas sérios abordados pela arquiteta e urbanista foram a falta de creches, de transporte adequado e de segurança para as mulheres. Ela aponta que 98% das cidades brasileiras não possui a oferta necessária de creches para atender às mães trabalhadoras e 78% têm transportes que dificultam a vida de quem é mãe.

“É fundamental que todas as mulheres, independente da sua origem étnico-racial, da sua religiosidade ou do seu território, lutem por um outro marco civilizatório no Brasil, e isso passa, necessariamente, pela derrubada do atual projeto de governo, que tornou as mulheres inimigas número um do Estado”, conclamou a palestrante.