Audiência Pública discute a dura realidade do trabalho infantil

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Pessoas e entidades de defesa dos direitos das crianças e adolescentes compareceram em bom número para participar da audiência

Com o tema “Criança não deve trabalhar. Infância é para sonhar”, a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), por iniciativa do deputado Iran Barbosa (PT), debateu o combate ao trabalho infantil, em Audiência Pública realizada na tarde da terça-feira, 11. Discutiram o tema a promotora do Centro de Apoio Operacional da Infância e da Adolescência do Ministério Público de Sergipe, Maria Lilian Mendes Carvalho; a representante da OAB/SE na Coordenação Colegiada do FEPETI-SE, Verônica Passos Rocha Oliveira; o procurador do Ministério Público do Trabalho em Sergipe, Raymundo Lima Ribeiro Júnior; o auditor fiscal do Trabalho, Thiago Freire Laporte; e o jovem aprendiz do Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE, Anderson Ferreira Aragão.

A Audiência Pública foi aberta com duas belas apresentações de meninos e meninas dos Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos dos CRAS’s de São Cristóvão e de Nossa Senhora do Socorro: a encenação “É dia de feira!”, do grupo de dança Moviarte, e um recital de flauta doce, com repertório de Música Popular Brasileira.

Para o deputado Iran Barbosa, discutir a realidade do trabalho infantil se justifica pela realidade que os dados ainda apontam e que são preocupantes, onde o Brasil e Sergipe figuram na relação dos países e estados onde a prática do trabalho infantil ainda se verifica.

“Os dados provam que, no Brasil e em Sergipe, crianças e adolescentes ainda são utilizadas de forma equivocada como mão de obra. Além disso, vivemos um momento da história do nosso país que é extremamente preocupante e temos que estar alertas. O nível de desemprego cresceu bastante, assim como o nível de vulnerabilidade das famílias, em função da destruição da malha de proteção existente com o desmonte da assistência social, e isso acaba impactando nos setores mais frágeis da sociedade”, aponta.

“Em situações como essa, terminamos por assistir crianças e adolescentes sendo explorados e indo mais precocemente para o mundo do trabalho. Portanto, temos que debater muito mais esses dados e essa realidade para buscar alternativas para combater o trabalho em idade precoce. Esse é o objetivo que buscamos nessa audiência pública”, explicou o parlamentar.

Mudando a realidade

O adolescente Anderson Ferreira Aragão, 17 anos, jovem aprendiz do Centro de Integração Empresa-Escola, fez uma fala comovente e positiva, resgatando o seu passado de criança que cresce em região rural e assiste a seus amigos e parentes começarem muito cedo a trabalhar na roça. Anderson lutou para fugir dessa realidade e conseguiu escapar das estatísticas do trabalho infantil.

“Sempre quis mudar aquela realidade em que vivia. Assistia a meus familiares e amigos começarem a trabalhar muito cedo na roça. Não era o que eu queria para a minha vida, queria algo diferente, buscar coisas melhores para mim e a minha família. Sempre tive foco e determinação para buscar algo maior, então, foquei em estudar, ainda que muitos tentassem me influenciar a trabalhar e não a estudar. Pensei sempre o contrário e foquei em estudar. Hoje eu vejo os resultados e estou colhendo os frutos dessa escolha. Eu trabalho, tenho carteira assinada e continuo a estudar. Onde quer que eu esteja, tenho procurado passar essa minha história de vida para outras crianças e jovens para que eles também apostem no que é fundamental, que são os estudos. Se eu consegui, outros também podem sonhar e conseguir alcançar seus objetivos com os estudos”, afirmou o jovem.

As palestras

A promotora Maria Lilian Mendes Carvalho focou a sua fala nos marcos legais nacionais e internacionais que garantem a rede protetiva de crianças e adolescentes no país. Ela destacou a necessidade de fazer valer a efetividade desses marcos, a fim de diminuir o abismo social existente no Brasil e combater e coibir, com mais força, o trabalho infantil.

“Vivemos num país de enormes diferenças sociais; na verdade, vivemos num grande abismo social. Já avançamos em muitas coisas, mas ainda precisamos caminhar muito para diminuir essas diferenças gritantes para que os nossos meninos e meninas, pelo Brasil afora, tenham, acima de tudo, oportunidades de ser criança, de estudar, de crescer, de se desenvolver no tempo certo e não ter que enveredar em atividades de trabalho infantil, muitas vezes para sustentar as suas famílias, porque isso só alimenta o ciclo de miserabilidade e de diferenças sociais”, destacou a promotora.

A advogada Verônica Passos ressaltou a importância do debate acontecer na Assembleia Legislativa, como espaço fundamental para reverberar os problemas existentes e buscar, dentro do parlamento estadual, reforçar os mecanismos de proteção aos direitos de crianças e adolescentes em relação ao trabalho.

“Debater a temática do trabalho infantil e da proteção do trabalhador adolescente nesta Casa é fundamental, como espaço onde podemos buscar avançar nessa causa e sensibilizar os representantes do Poder Legislativo e do Judiciário no sentido de convencer que o trabalho infantojuvenil não é solução para superar as mazelas sociais do Brasil, nem para uma criança ou adolescente que está em situação de violação dos seus direitos e de vulnerabilidade e pobreza. Infelizmente, ainda temos que lidar com notícias de vários setores que ainda defendem que essa forma de exploração é solução, e contra isso temos que nos opor de forma incisiva”, externou.

O auditor fiscal do Trabalho, Thiago Laporte, fez um resgate histórico da construção do que hoje se configura como “inspeção do trabalho”. Laporte também apontou dados de Sergipe relativos a inspeções e autuações. Segundo ele, de janeiro de 2016 até hoje, 496 autos de infração foram lavrados e 308 ações de inspeção do trabalho foram executadas para combater formas de trabalho infantil. Das ações operativas foram realizadas em bares e restaurantes, em 2019, três adolescentes foram afastados; já em oficinas, borracharias e postos de lavagem, 16 adolescentes foram afastados; além disso, várias operações digitais foram realizadas em empresas para atestar o cumprimento das cotas de contração de jovens aprendizes.

“Temos trabalhado para cumprir as nossas metas e buscar coibir e erradicar todas as piores formas de trabalho infantil e, também, na inserção de jovens como aprendizes”, disse.

O procurador do Trabalho Raymundo Lima Ribeiro Júnior foi enfático em afirmar que o trabalho infantil é intrínseco à lógica do sistema capitalista. Para ele, a própria flexibilização das leis trabalhistas alimenta o ciclo do trabalho infantil ao submeter trabalhadores à precarização das relações de trabalho, não com o objetivo de gerar mais empregos, mas de gerar lucro e contribuir na acumulação de capital. Segundo o procurador, em seus quase 11 anos de atuação, nas operações de combate ao trabalho escravo que participou, todas a vítimas resgatadas, nas entrevistas, apontaram que trabalharam quando crianças, comprovando o ciclo geracional existente.

“Essa lógica só pode mudar com políticas públicas de geração e distribuição de renda. Infelizmente, porém, a maior parte dos recursos que a nossa sociedade produz não é direcionada para isso, mas para pagar juros de uma dívida que, sabemos, precisa urgentemente ser auditada. Vivemos uma dura realidade de desigualdade social crescente e, ou a gente se rebela, de uma forma democrática, contra isso que está se consolidando, um Estado mínimo que nega direitos e não está olhando para a Constituição, ou continuaremos a ter trabalho infantil, lamentavelmente”, enfatizou o promotor Raymundo Lima.

Colaboraram, ainda, com o debate o juiz Antônio Francisco de Andrade, do TRT-20, a juíza Rosa Geane Nascimento, coordenadora da Vara da Infância e da Juventude do TJ/SE, e o deputado estadual George Passos (Rede), assim como diversos representes de entidades e movimentos ligados à defesa e proteção de crianças e adolescentes.