Proposta de Iran Barbosa leva debate dos 20 anos da Libras para a Alese

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Debate, na Alese, abordou avanços e desafios para o surdos nos 20 anos de existência da Libras | Fotos: Valesca Montalvão

Com cerca de 10,7 milhões de pessoas surdas no Brasil, o país comemorou, no último dia 24 de abril, 20 anos da Lei nº 10.436, que reconhece a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como meio legal de comunicação e expressão. Com o objetivo de discutir os avanços e os desafios ainda existentes após essas duas décadas da lei, a Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese) recebeu, por iniciativa do deputado estadual Iran Barbosa (PSOL), na manhã desta quinta-feira, 28, a professora da Universidade Federal de Sergipe, mestra em Linguística, Alzenira Aquino de Oliveira, e o professor, especialista e tradutor de Libras, Geraldo Ferreira Filho, para tratarem do tema.

Para o parlamentar, abrir o espaço da casa legislativa para discutir os 20 anos da Libras no Brasil cumpre com a tarefa de promover o debate público sobre a necessidade de garantir a inclusão plena das pessoas surdas ou com deficiência auditiva em todos os espaços sociais, algo que ainda não se efetivou.

“Essa é a importância de debates como esse. Tratar das questões relacionadas às pessoas surdas e às suas necessidades, depois de 20 anos do reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais, é um debate que precisa acontecer em todos os espaços, e a Assembleia Legislativa de Sergipe, como uma casa de produção de leis e de representação de todos os segmentos da população sergipana, não pode se fechar para isso. Precisamos discutir e construir caminhos para efetivar as políticas de inclusão da população surda na sociedade e isso passa pelo reconhecimento e consolidação da Libras como uma segunda língua em todos os espaços”, apontou o deputado.

Requerimento para o debate na Alese foi do deputado Iran Barbosa

O professor Geraldo Ferreira Filho, que é surdo, fez questão de agradecer pelo convite para expor o tema num momento que considerou histórico. Em sua exposição, ele fez uma abordagem histórica sobre a Lei nº. 10.436/2002 e os desafios que a população surda ainda vivencia dentro do contexto da Libras. Para ele, os 20 anos da lei é um tempo curto em relação a história da luta das pessoas surdas por reconhecimento e cidadania. Ele aponta que desde a Antiguidade essa problemática já estava em discussão.

“Essa é uma luta histórica e, dentro de uma linha cronológica, esses 20 anos são ínfimos, porque o filósofo Platão já tinha o conhecimento de como seria a comunicação por sinais corporais. Não que em sua época a língua de sinais existisse, mas ele já tinha essa ideia”, explicou o professor, através da linguagem de sinais, em tradução feita pela intérprete Raquel Silveira.

Geraldo Filho apontou, ainda, a criação da primeira instituição voltada para o ensino da Língua de Sinais, em 1755, fundada pelo abade Charles Michel de l’Épée, em Paris, como fundamental para uma nova compreensão dos surdos como sujeitos capazes, com todas as suas necessidades e angústias; e, no Brasil, a criação do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), no Rio de Janeiro, em meados do século XIX, pelo surdo francês E. Huet. O professor apontou, ainda, como um grande retrocesso, o Congresso Internacional de Surdos de Milão, em 1880, que aprovou uma resolução, dando preferência ao ensino da língua oral nas escolas para surdos, e não a linguagem gestual, o que afetou, inclusive, o INES e o ensino no Brasil.

Geraldo Filho, professor, especialista e tradutor de Libras

“Eu alcancei esse ensino pela oralidade. Em 1995, enquanto criança, eu tinha as mãos amarradas, principalmente nas sessões com fonaudiólogo, para não utilizar sinais”, relatou, apontando que foi uma luta árdua, em todo o mundo, para superar esse entendimento, destacando a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Faneis) como uma referência na luta pela autodeterminação das pessoas surdas.

Para Geraldo, a Lei nº. 10.436/2002 quebrou barreiras e deu visibilidade à população de surdos no Brasil, dando mais força aos crescentes movimentos de luta pela inclusão dos surdos em todos os espaços, o que fortaleceu, como um todo, a comunidade surda. No entanto, em muitas áreas, como na medicina, no judiciário, no legislativo e outras, a barreira linguística ainda está muito presente.

“E como podemos resolver isso? Somente com uma sociedade verdadeiramente inclusiva, bilíngue, onde a Língua de Sinais seja uma segunda língua, e isso precisa estar na Constituição Federal. Com isso, as barreiras linguísticas diminuiriam e a maioria dos problemas seriam sanados”, avaliou, defendendo a aprovação da PEC 12/2021, que tramita no Senado, que pretende conferir à Língua Brasileira de Sinais o status de língua oficial no Brasil.

Língua ainda não oficial

Corroborando com a abordagem feita pelo professor Geraldo Filho, a professora Alzenira Aquino destacou que, mesmo a Lei nº. 10.436/2002 reconhecendo como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais, isso ainda não se materializou como oficial.

“Isso só vai se efetivar com a aprovação da PEC 12/2021. Porque a Libras foi reconhecida apenas como um meio de comunicação e expressão das pessoas surdas, sendo que, linguisticamente, estudos provaram que ela tem sim status de língua, isso desde 1960, e vários países reconhecem a língua de sinais como oficial, mas o nosso país ainda não. Precisamos oficializar”, destacou.

Alzenira Aquino, professora mestra em Linguística da Universidade Federal de Sergipe

A professora apontou, ainda, aspectos positivos do Decreto 5.626/2005, que regulamentou a Lei nº. 10.436/2002, entre eles, a diferenciação entre surdos e deficientes auditivos; a inclusão da Libras como disciplina; o reconhecimento da Libras como a primeira língua do surdo e o Português como segunda; a garantia do direito aos serviços de saúde e de acessibilidade comunicacional; e a criação de cursos de Letras Libras e de Pedagogia Bilíngue; entre outros avanços. E como efeito positivo da lei, a professora apontou a superação da visão clínica e patológica, onde os surdos eram vistos como deficientes, incapazes e dependentes, como pessoas doentes e que precisavam de cura para adquirir a fala, fruto ainda do Congresso de Milão.

“Hoje não temos mais essa visão patológica sobre a surdez, mas uma visão cultural da pessoa surda, com respeito à forma diferente de ela ser, existir e se comunicar através da sua língua, a Libras. E, antes, a perspectivava era de integração com a sociedade se o surdo aprendesse a falar; hoje, as perspectivas são todas, desde que eles se comuniquem pela língua de sinais, num exercício de cidadania”, explicou.

Alzenira Aquino também apontou como um avanço recente a sanção da Lei 14.101/2021, que insere a Educação Bilíngue de Surdos na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB).

“Agora é acompanhar e aguardar o desenvolvimento da aplicabilidade dessa nova lei, que garante ao surdo o direito de realmente aprender, na prática, a Libras como primeira língua e o Português escrito como segunda língua nas escolas”, disse.

Por fim, a professora avaliou que, ao longo dos últimos 20 anos, houve avanços na legislação, mas que é preciso continuar a luta para que os direitos dos surdos avancem e se efetivem.

“Nós não temos que lamentar o passado. Ele existiu, mas não há que se lamentar. Precisamos seguir lutando; pesquisar e conhecer melhor a história cultural do surdo; enxergar a língua de sinais; informar as novas pesquisas e descobertas na área; e precisamos transformar todas essas práticas hegemônicas, que tratam a língua oral como a única forma de comunicação, e incluir os surdos na sociedade não com ajuda, mas com respeito às suas diferenças. E vamos todos aprender a Libras”, defendeu a professora Alzenira Aquino.

Participaram, também, da sessão e contribuíram com o debate os deputados Georgeo Passos e Maria Mendonça; além do ex-vereador por Aracaju Lucas Aribé, do estudante de Letras/Libras da UFS Rafael Leite, e da ex-conselheira tutelar Marisa Barros. Marcaram presença na sessão os deputados Luciano Pimentel e Gracinha Garcez.