Uma data para ficar marcada na história. Nesta terça-feira, 24, pela primeira vez em nosso estado, a etnia cigana de Sergipe, formada por cerca de 3.700 membros, pôde celebrar sua identidade cultural e expor as suas tradições de forma oficial, em uma atividade de reconhecimento e valorização da sua existência, referendada pela presença de representantes de poderes e órgãos públicos das esferas municipal, estadual e federal.
Foi assim a realização do lançamento da Primeira Coletânea Cultural do Povo Cigano de Sergipe, que aconteceu na Escola do Legislativo (Elese), em Aracaju, como parte das comemorações pelo Dia Estadual da Etnia Cigana em Sergipe, instituído pela Lei nº 8.881/2021, uma iniciativa do deputado estadual Iran Barbosa, do Psol, construída a partir do diálogo com a própria comunidade cigana.
Além do parlamentar, estiveram presentes na atividade a vice-governadora do Estado, Eliane Aquino; o juiz da 3ª Vara do Trabalho, Manoel Andrade Meneses; a professora da Universidade Federal de Sergipe, Tereza Raquel Sena; o secretário de Cultura de Arauá, Marcos Lima; a yalorixá Lígia Borges, da Secretaria Nacional das Religiões de Matriz Africana (REMA); Daiane Santana, coordenadora da Fundação de Cultura e Arte Aperipê de Sergipe (Funcap); e, representando o povo cigano, Mestre Tenório, do Vale do Amanhecer, e Lenilda dos Santos.
Para o deputado Iran Barbosa, o evento cumpriu o objetivo de contribuir para diminuir o processo de invisibilização do povo cigano, que tem sido, ao longo da história, relegado a uma condição de total invisibilidade por parte do Estado, sendo marcado pela criminalização do seu modo de viver e pela exclusão social.
“Para buscar reverter esse processo, é com muita satisfação que comemoramos esse primeiro Dia Estadual da Etnia Cigana em Sergipe, neste 24 de maio, que também é Dia Nacional do Cigano. Precisamos lembrar que o Brasil é um país plural e que essa pluralidade está assegurada na Constituição. Neste sentido, precisamos garantir que aqueles que pertencem a essa pluralidade sejam reconhecidos, valorizados e respeitados, e nisso se incluem os grupos minoritários, do ponto de vista hegemônico, como os ciganos”, destacou o deputado Iran Barbosa, ao resgatar o histórico da construção do Projeto de Lei que deu origem à Lei nº 8.881/2021, uma proposta apresentada por representantes da própria comunidade cigana e negociada dentro do Parlamento Estadual.
“Eles nos procuraram e fizeram ver que havia a necessidade de marcar essa data justamente para que se tenha, por parte dos poderes públicos, um olhar voltado para a garantia de reconhecimento dessa comunidade e de oferta de políticas públicas para darem conta das enormes demandas que existem junto a esse povo, que carece até mesmo de reconhecimento pelo IBGE, que não tem ainda mapeado a população cigana do Brasil e em Sergipe. Não há como formular políticas públicas sem esse ponto inicial, que é reconhecer e saber quem são e onde estão essas pessoas”, afirmou Iran Barbosa, que, na ocasião, também assinou um documento assumindo o compromisso de zelar e contribuir com políticas públicas que reconheçam o direto do povo cigano.
Mais visibilidade
Coordenadora local do Instituto Cigano do Brasil (ICB) e uma das grandes lideranças da comunidade, a cigana Valda Sousa, 52 anos, é cearense, radicada em Sergipe desde 1989; é técnica em Enfermagem e profunda conhecedora da Quiromancia. Para Valda, a Lei nº 8.881/2021 foi um passo importante para dar visibilidade à comunidade cigana do estado, formada por uma população bastante vulnerável do ponto de vista socioeconômico e carente de tudo.
“Infelizmente, pela invisibilidade que sofremos ao longo dos anos, não temos moradia, não temos trabalho, nem acesso à alimentação; e essa Lei nos traz a esperança de que, a partir da agora, o poder público vai nos enxergar e que vamos poder ter tudo isso um dia. O que queremos é um lugar para a nossa comunidade e qualidade de vida, que não temos. Imagine o que é não ter teto, não ter trabalho e, por isso, não poder pagar um aluguel, e não ter acesso à saúde ou à educação. A partir do momento que temos visibilidade por parte dos gestores públicos e governantes, isso tudo poderá mudar. E foi o que nós vimos hoje aqui, com essa mesa tão representativa. É a primeira vez que o povo cigano de Sergipe tem essas pessoas abraçando a nossa luta e nos reconhecendo como parte da sociedade. Isso nos deixa muito felizes”, disse a coordenadora do ICB.
Ela aproveitou para desmistificar a ideia de que o povo cigano é nômade por natureza e que não precisa de moradia e direitos. Segundo ela, hoje a realidade é outra e, cada vez mais, essa população busca alternativas para se fixar e fugir da violência.
“Certamente, éramos felizes quando vivíamos com as nossas barracas, como nômades; mas a violência que sofremos, as perseguições, o risco permanente de morrer nessa vida nos levou a evoluir e buscar políticas públicas que nos permitam igualdade de direitos e a possibilidade de ter terra e um lugar para morar, respeitando-se o nosso jeito de viver e as nossas tradições. E isso é possível”, aposta a líder cigana.
Sem discriminação
Para o cigano Lucas Fontes, coordenador do ICB na cidade de Boquim, o evento que celebrou o Dia Estadual da Etnia Cigana é um marco para os ciganos sergipanos, que nunca antes tiveram um espaço público para festejar a sua cultura e a sua existência sem sofrer discriminação.
“Para nós, é um privilégio poder estar aqui, com essa mesa de autoridades presentes, comemorando o resultado dessa Lei, que agora nos reconhece. Para nós, é muito importante tudo isso, porque deixamos de ser discriminados e as pessoas estão passando a ter mais conhecimento de quem somos e como vivemos, porque podemos mostrar a nossa cultura e a nossa religião, que não é discriminatória. Só temos gratidão ao deputado Iran Barbosa e a todos que estão nos abraçando enquanto etnia a partir de agora. Esperamos que, com isso, tenhamos mais oportunidades de emprego para nossa gente e acesso a políticas do governo. Nossa comunidade estará de braços abertos para receber todos que quiserem nos conhecer melhor e nos ajudar”, declarou o coordenador do ICB em Boquim.
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