“É perceptível como a prometida ‘ruptura com o sistemão’ está longe de ser realizada”

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Foto: Arquivo/CMA

Por Mayusane Matsunae (Da equipe JC)

NESTA EDIÇÃO DO JORNAL DA CIDADE, O VEREADOR IRAN BARBOSA (PSOL) COMENTOU SOBRE A ATUAÇÃO NA CÂMARA DE ARACAJU, AS PRINCIPAIS BANDEIRAS DE ATUAÇÃO E ANALISOU A SITUAÇÃO DA ESQUERDA NA CASA LEGISLATIVA MUNICIPAL. SOBRE A GESTÃO DA PREFEITA EMÍLIA CORRÊA (PL), IRAN APONTOU QUE A COMPOSIÇÃO DO SECRETARIADO E AS RELAÇÕES COM OS SETORES DA ECONOMIA PRIVADA, O PODER LEGISLATIVO E ENTIDADES DA SOCIEDADE CIVIL MOSTRAM UM CENÁRIO DA ADMINISTRAÇÃO. AINDA COM O JC, O PARLAMENTAR OPINOU SOBRE A POLARIZAÇÃO POLÍTICA E COMO ISSO INTERFERE NA DINÂMICA DO TRABALHO. CONFIRA O CONTEÚDO COMPLETO:

Jornal da Cidade – Após sua experiência como deputado estadual, o que motivou seu retorno à Câmara Municipal de Aracaju? Quais diferenças principais o senhor percebe entre a atuação no legislativo estadual e municipal?
Iran Barbosa – Eu comecei a minha trajetória na sala de aula e no movimento sindical. Dessa forma, a luta social sempre fez parte da minha vida e nela eu me mantenho, independentemente de mandatos parlamentares. Por essa razão, fui convocado pelas diversas lideranças e grupos que me apoiam e com os quais milito para voltar à Câmara Municipal de Aracaju e seguir sendo uma voz que representa os anseios, mas também as lutas pelos avanços dos direitos do nosso povo, o que sempre me motivou a seguir ocupando esses espaços.
Ao longo da minha caminhada política eu já tive oportunidade de exercer mandatos na Câmara Municipal de Aracaju, na Assembleia Legislativa de Sergipe e na Câmara Federal. Cada um desses espaços legislativos tem a sua tarefa constitucional específica e as suas particularidades. No caso específico da Câmara Municipal, dada a sua natureza mais local, considero que, numa comparação com a Assembleia Legislativa ou com a Câmara Federal, a sua diferença principal reside no fato de sua incidência ocorrer sobre os problemas mais imediatos, mais cotidianos e mais próximos dos cidadãos e cidadãs.
Isso gera a possibilidade de uma efetividade mais concreta do trabalho parlamentar, que opera sobre a limpeza das ruas e praças, sobre o transporte que a população utiliza, sobre as condições de uso das calçadas… Ou seja, a incidência sobre o orçamento que faz girar as políticas públicas utilizadas no local mais próximo da vida das pessoas, no território; o desafio de responder a questões mais concretas e imediatas; e a necessidade de oferecer respostas mais rápidas às demandas populares são algumas das principais diferenças da atuação no parlamento municipal, comparativamente às demais instâncias federativas do Poder Legislativo.

JC – Como membro do bloco de oposição, quais são suas principais críticas à gestão da prefeita Emília Corrêa? E quais seriam suas propostas alternativas para essas questões?
IB – Penso que a gestão ainda não conseguiu ultrapassar, de forma definitiva, o modelo de intervenção característico do período de campanha. As práticas são de agitação nas redes sociais, mas com poucas mudanças efetivas na vida real dos aracajuanos e aracajuanas. Além disso, a promessa feita de “romper com o sistemão”, não se concretizou até o momento. Desde a forma de composição do secretariado, passando pela relação com os setores da economia privada que dominam os serviços públicos e chegando às relações estabelecidas com o Poder Legislativo e com as entidades da sociedade civil, é perceptível como a prometida “ruptura com o sistemão” está longe de ser realizada.
É certo que ainda temos bastante tempo para a realização de mudanças, já que ainda estamos no início da gestão. Mas, as primeiras sinalizações estimulam bastante as nossas dúvidas. A lógica da “cidade privatizada” se mantém; a falta de transparência persiste, como ocorreu no caso da tramitação do Projeto de Lei que autorizou o empréstimo de cento e sessenta e um milhões de reais; os problemas nos contratos com as empresas de limpeza urbana se avolumam; os benefícios para as empresas de ônibus seguem preponderando frente às necessidades da população usuária e desconsiderando os diversos casos de descumprimento da legislação trabalhista que afetam os direitos dos trabalhadores e trabalhadoras do setor; tudo corroborando para a manutenção da velha forma de gerir a nossa cidade!
Como alternativa a esse cenário, eu defendo que a promessa de ruptura com esse modelo administrativo seja efetivamente praticada; que a transparência na gestão administrativa da cidade seja levada a efeito; que a prevalência dos interesses populares sobre os interesses de grupos empresariais torne-se regra; que o diálogo producente seja a base da construção coletiva das mudanças e que a vida real da nossa urbes ocupe o lugar das fantasias das redes sociais. Acredito que esse seria um bom começo.

JC – Quais temas o senhor considera prioritários para Aracaju atualmente? E como tem direcionado seu mandato para atendê-los?
IB – Nesses primeiros três meses de mandato, já apresentei cento e doze proposituras que versam sobre os mais diversos temas de interesse da população. Acredito que resolver os problemas estruturais que enfrentamos deve estar no centro da ação política dos poderes constituídos. Assim, devemos priorizar medidas que democratizem as formas de participação popular nas definições das políticas públicas; que visem conter e mitigar os efeitos das emergências climáticas; que consigam qualificar e tornar universalmente acessível o transporte público; que cuidem das mulheres e crianças, garantindo atendimento referenciado nas redes de saúde e assistência; que reduza o deficit de vagas em creches e escolas; que valorize o servidor público, professores e professoras; que garantam a revisão do Plano Diretor na perspectiva de construirmos uma Aracaju cada vez mais humana e justa; e que coloquem o Povo no centro dos interesses orçamentários.

JC – Como o senhor avalia a representatividade da esquerda no cenário político municipal de Aracaju? Há espaço para crescimento?
IB – Inicialmente devo dizer que, historicamente, a Esquerda nunca foi maioria no Parlamento Municipal de Aracaju. Sempre vivemos entre momentos de maior ou menor crescimento, mas sempre com prevalência de visões parlamentares mais ao Centro e à Direita, mesmo em momentos em que o projeto administrativo eleito para o Executivo tinha alinhamento com a Esquerda. O cenário atual segue sendo extremamente desafiador. Temos uma bancada de oposição na Câmara que é minoria, mas que segue firme defendendo melhores condições de vida e trabalho para o nosso povo. Sempre há perspectivas e espaço para o crescimento da Esquerda. A luta por justiça, equidade, responsabilidade ambiental e inclusão social sempre colocam as propostas do campo da Esquerda como a alternativa para as mudanças que precisamos operar na nossa sociedade. A política é dinâmica e nos permite seguir construindo condições para crescimento do nosso campo na capital sergipana.

JC – Considerando sua trajetória como militante em questões sociais, quais conquistas destacaria em sua atuação e quais desafios ainda persistem nessas áreas?
IB – Eu participei e ajudei a construir diversas conquistas que marcam a minha trajetória. Começaria destacando as lutas pelas Eleições Diretas e pela conquista da Constituição de 1988, que mobilizaram militantes em todo o Brasil para a instalação da Nova Ordem Democrática, em substituição ao modelo de Estado de Exceção que predominou até aquela oportunidade. Aquele foi um momento importante de exercício de luta para o jovem Iran Barbosa que iniciava sua caminhada, participando dos debates dentro da Universidade Federal de Sergipe e indo para as ruas defender a Democracia. Na sequência, já como militante de base do magistério estadual, participei ativamente das lutas pela conquista do Estatuto do Magistério e, logo depois, já na condição de dirigente sindical, destaco a luta pela conquista do Plano de Carreira do Magistério aqui em Sergipe, ocasião em que eu presidia o SINTESE.
Um pouco mais à frente, já na condição de Deputado Federal, tive a honra de interferir diretamente sobre a aprovação da legislação que regulamentou o uso dos recursos do Fundeb, no que destacaria a apresentação de emendas de minha autoria, incorporadas à Lei, principalmente incidindo sobre o funcionamento dos conselhos de acompanhamento e controle social do Fundo, para assegurar transparência. Além disso, não posso deixar de destacar a importante conquista da Lei que regulamentou o direito ao Piso Salarial Profissional do Magistério, quando atuei diretamente em sua construção na Câmara Federal, inclusive derrotando, na Comissão de Educação, a proposta do ex-ministro da Educação, o então colega deputado federal Paulo Renato, que defendia que o pagamento do Piso Salarial fosse vinculado a critérios meritocráticos, proposta que eu consegui derrotar arguindo que, sendo o Piso um direito vinculado à carreira, ele não deveria adotar critérios de exclusão na garantia do seu pagamento.
Não posso deixar de citar que nessa caminhada, fomos construindo outras conquistas e marcos legais importantes e mais amplos que foram reforçando o respeito à diversidade e aos direitos da cidadania. Os desafios da atualidade em relação a todas essas conquistas são gigantescos, já que vivemos uma quadra histórica de tentativas permanentes de ataques a esses direitos conquistados.

JC – Como tem sido sua relação com os movimentos sociais e professores de Aracaju durante este mandato? Há alguma pauta específica desses movimentos que o senhor tem priorizado?
IB – Orgulho-me bastante de ter o mandato que represento reconhecido como instrumento de mudança pelos movimentos social e sindical. Temos uma assessoria plural e atuante que procura, juntamente comigo, dar conta de tantas demandas que chegam cotidianamente. Mas, pela estreita relação com o movimento sindical, em especial do magistério, de onde venho, temos olhado com muita atenção a Mesa de Negociação Permanente que foi estabelecida pelo Poder Executivo, trabalhando para que os direitos dos servidores públicos sejam assegurados, mas prontos para denunciar e adotar todas as medidas necessárias caso não sejam. Preocupa-nos a falta de uma política efetiva de valorização profissional dos trabalhadores do Serviço Público que considere, além das condições salariais, as condições de formação, carreira e trabalho dos servidores do povo de Aracaju.

JC – Qual sua avaliação sobre o funcionamento da Câmara? Há desafios institucionais que dificultam a atuação parlamentar na cidade?
IB – O funcionamento do Parlamento Municipal de Aracaju está dentro de um contexto mais amplo, que envolve a estrutura constitucional dos Poderes Legislativos em suas diversas esferas federativas, que há muito exige aprimoramentos, a serem feitos através de uma Reforma Política séria, consequente e profunda que nunca foi feita. Temos tido avanços no sentido de que se garanta a autonomia da Câmara Municipal frente ao Poder Executivo e isso não pode ser perdido. Temos que garantir relações harmônicas, mas não subservientes; temos que estabelecer relações autônomas a partir de princípios verdadeiramente republicanos. A Câmara Municipal iniciou um processo de realização de concurso público para ingresso de novos servidores, que precisa transformar-se em regra a ser mantida. Temos o desafio de melhorar o espaço físico onde a Câmara funciona para atender melhor às necessidades do povo, dos funcionários e dos parlamentares. E temos o desafio de construir cada vez mais um parlamento municipal sintonizado com os anseios do nosso povo.

JC – Em sua opinião, quais são os principais desafios socioeconômicos de Aracaju que precisam ser enfrentados com urgência?
IB – São muitos e, em sua diversidade, cada um merece sua devida prioridade. Destacaria a necessidade de garantirmos com urgência o acesso aos serviços de Saúde e de Educação, frente aos índices de dificuldades de atendimento em consultas, exames, e de acesso a medicações; bem como frente aos índices de analfabetismo, de uma demanda reprimida para atendimento em creches e de dificuldades de funcionamento da rede de Educação. Aracaju precisa responder ao desafio de planejar bem o seu perfil econômico, tendo em vista os desafios que se apresentam no mundo empresarial e do trabalho, pensando iniciativas que garantam perspectivas dignas para a sua população economicamente ativa e para a sua juventude.
Destaco, ainda, os recentes números que apresentei na Câmara Municipal obtidos a partir dos dados do Censo POP Aracaju 2024, que identificou que existem seiscentos e vinte e três pessoas em situação de rua. Um número significativo do ponto de vista da quantidade de pessoas que vivem sem acesso às condições básicas, mas relativamente pequeno sob o ponto de vista da possibilidade de implementação de políticas públicas para erradicar o problema.

JC – Como o senhor avalia o impacto das redes sociais e da polarização política na dinâmica do trabalho legislativo municipal?
IB – Acredito que as redes sociais são ferramentas de comunicação dinâmicas e, quando bem usadas, garantem acesso à informação para a maior quantidade de pessoas possível. O problema é que, pela falta da devida regulamentação, tais plataformas servem, também, para disseminação de mentiras e de distorções da realidade. Figuras que não conseguem ter destaque pela sua atuação, veem nas falsas polêmicas que são potencializadas nas redes, oportunidades de ter o destaque que seu trabalho jamais proporcionaria. A mesma rede social que pode servir para divulgar trabalhos sérios e reconhecidos, serve também para dar destaque a discursos vazios e polêmicas que não mudam a vida real de ninguém.

JC – Quais são os planos políticos para o futuro de Iran Barbosa? Já é momento para aspirar algum outro tipo de cargo?
IB – Os planos políticos passam pela necessidade de continuar incidindo na vida pública, defendendo a democracia, enfrentando a fascistização da política, os ataques aos direitos da população e da classe trabalhadora e lutando por um modelo de sociedade que não esteja baseada na exploração, na exclusão e na absurda concentração das riquezas nas mãos de uma minoria. Continuarei trabalhando por isso na sala de aula, nos movimentos sociais e em todo lugar que a minha energia me permitir atuar, inclusive nos espaços de poder, sempre que o povo me conduzir a eles.