Relatório Final da Comissão Estadual da Verdade é apresentado na Alese

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Professora Andréa Depieri, secretária-executiva da Comissão Estadual da Verdade [Foto: Jadilson Simões/Alese]

Fruto de um Requerimento apresentado pelo deputado estadual Iran Barbosa, do PT, e aprovado na Assembleia Legislativa de Sergipe (Alese), a Sessão Ordinária desta quinta-feira, 21, foi utilizada para receber a professora doutora Andréa Depieri de Albuquerque Reginato, docente do Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe, que atuou como secretária-executiva da Comissão Estadual da Verdade “Paulo Araújo Barbosa”, para expor o Relatório Final da Comissão, resultado do que foi pesquisado, investigado e catalogado ao longo de suas atividades, entre 2016 e 2019, sobre os fatos vivenciados no Brasil, entre os anos de 1946 e 1988, especialmente sobre os eventos e o alcance da ditadura civil-militar, entre 1964 e 1985.

O deputado Iran Barbosa agradeceu a aquiescência da pesquisadora em apresentar o Relatório Final da Comissão na Alese e parabenizou o trabalho do grupo de pesquisa, assim como todos os que contribuíram, de forma direta ou indireta, para a sua produção. O parlamentar defendeu a publicação física do Relatório para que possa ser distribuído em todo o estado.

“Assim que o Relatório foi publicado, ainda que de forma virtual, dei evidência aqui na Casa e chamei a atenção para que se dessem os devidos desdobramentos às recomendações contidas no documento; também apresentamos indicações dirigidas às autoridades sergipanas para que essas recomendações sejam observadas, e vamos continuar vigilantes para que os desdobramentos aconteçam”, ressaltou o parlamentar, que é membro da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Alese, destacando, ainda, a necessidade de que o Relatório Final, que foi publicado apenas como E-book, seja impresso pela gráfica do Estado e distribuído nas bibliotecas públicas e escolares, e nos espaços mais diversos, onde possa estar acessível à população.

O Trabalho da Comissão

Em sua exposição, a professora doutora, traçou um histórico da criação da Comissão Estadual da Verdade “Paulo Araújo Barbosa”, ainda no governo de Jackson Barreto (2013-2018), e explicou o papel que cumprem as comissões da Verdade como mecanismos de “Justiça de Transição” – no caso do Brasil, a transição da ditadura civil-militar para a atual democracia –, resgatando documentos históricos em várias fontes, como o Arquivo Nacional, o Arquivo Público Estadual, o Superior Tribunal Militar, o Arquivo do Serviço Nacional de Informações, entre outros; coletando depoimentos e lançando luz sobre os acontecimentos de períodos autoritários.

Deputado Iran Barbosa ao lado da professora Depiere e do advogado Wellington Mangueira
[Foto: Jadilson Simões]
“O decreto governamental nº 30.030/2015, que instituiu a Comissão Estadual da Verdade de Sergipe, estabeleceu como objetivo a investigação das graves violações dos direitos humanos ocorridas no período de 1946 a 1988, período este que compreende as nossas duas constituições democráticas, e esse foi um desafio gigante, porque tivemos que recolher muitos documentos, mas não tivemos como nos debruçar sobre todas as histórias e contar todos os fatos. Considero que esse Relatório Final é um passo inicial importante de pesquisa para marcar um território de reflexão, mas há muito mais a ser explorado e discutido”, afirmou a professora e pesquisadora.

Andréa Depiere destacou, ainda, trechos do Relatório Final que considerou importantes como resultado do debate ocorrido entre os membros que fizeram parte da Comissão Estadual, incluindo o presidente, professor doutor Josué Modesto dos Passos Subrinho; o pesquisador Gilson Sérgio Matos Reis; a professora doutora Gabriela Maia Rebuoças; e ela própria, para se chegar a uma conclusão.

De acordo com Depiere, em síntese, a principal conclusão da Comissão é a de que, para o Brasil alcançar democracia plena, é preciso enfrentar a sua herança autoritária, ainda muito presente nas práticas institucionais, na legislação, nos aparatos do Poder Judiciário e da Segurança Pública, nas violências cotidianas e em todo esse movimento de negação quanto aos avanços civilizatórios constituídos para proteger os cidadãos do arbítrio do Estado.

“Concluímos que a repressão política, caracterizada por um conjunto de opressões sistemáticas, seletivas, violentas, capilarizadas e altamente institucionalizadas é a maior ameaça à consolidação de uma democracia plena no Brasil. Há, inegavelmente, a permanência de um funcionamento autoritário, que podemos perceber não só no período entre as Constituições de 1946 e 1988, mas que preexiste a esse período e está relacionada à forma como se deu a evolução e configuração do Estado brasileiro desde a colônia e, em especial, durante a República”, aponta o Relatório.

Recomendações

O Relatório Final aponta, também, que a redemocratização e a Constituição de 1988 não foram suficientes para afastar ou colocar sob um controle mais efetivo os abusos e violações aos direitos humanos no Brasil.

“Por essa razão é fundamental uma feroz oposição às práticas de tortura, execuções, desaparecimentos ou qualquer outro tipo de ação distanciada dos padrões de legalidade e civilidade. Isto cabe tanto quanto ao exercício do poder de punir do Estado, quanto com relação ao uso da força indiscriminada por particulares”, destaca, enfatizando que as recomendações apresentadas no texto final da Comissão Estadual da Verdade são dirigidas especialmente aos Poderes, entes públicos, instituições, governantes e parlamentares do estado de Sergipe, e foram sistematizadas em três eixos principais: Medidas e Reformas Institucionais e Legislativas; Políticas Públicas de Memória e de Educação em Direitos Humanos; e Medidas de Seguimento das Ações da Comissão Estadual da Verdade.

“Temos grandes desafios e muito trabalho a fazer, especialmente no âmbito das instituições, de como elas têm que funcionar para os resquícios de autorismo que ainda é muito forte, tanto que ainda continuamos tendo confrontações, muitas manifestações públicas de desapreço às instituições democráticas. As contribuições deste Relatório apontam para a necessidade de comprometimento, em todos os níveis da sociedade, para que a gente possa proteger não só a ideia de democracia, mas construir algo para avançar alguns degraus no sentido de consolidar o que temos hoje como democracia, como uma opção constitucional do povo brasileiro, mas que ainda está muito longe de se consolidar”, enfatizou a professora Andreá Depiere.

Militante comunista

O advogado e professor Wellington Mangueira, líder estudantil durante a juventude, militante histórico do Partido Comunista Brasileiro (hoje Cidadania), preso político torturado durante a ditadura civil-militar pós Golpe de 64, acompanhou a exposição da professora Andréa Depiere. Para ele, foi importante a Assembleia Legislativa abrir as suas portas para que o Relatório Final da Comissão Estadual da Verdade “Paulo Araújo Barbosa” fosse apresentado.

“Parabéns ao deputado Iran Barbosa pela proposta, que foi aprovada pelos demais deputados, porque é importante que esse livro, que precisa ser impresso, chegue a toda a sociedade, e que as recomendações contidas nele sejam seguidas, porque, não resta dúvida, a saída é sempre pela democracia. Essa sempre foi a nossa opção, desde março de 1958, assim como a do Partidão, e disso nós nunca abrimos mão”, disse Mangueira, que prestou, ainda, uma homenagem a todos os que foram vítimas, como ele, do arbítrio e da violência repressora do Estado.

Também participaram do debate os deputados Georgeo Passos e Kitty Lima, ambos do Cidadania.