Audiência Pública discute a relação entre meio ambiente, cidades e comunidades tradicionais

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Audiência pública reuniu vários segmentos ligados à luta em defesa do meio ambiente | Fotos: Valesca Montalvão

Com o objetivo de discutir a temática “Meio ambiente, cidades e comunidades tradicionais: Os desafios para sustentabilidade das políticas públicas em Sergipe”, a Frente Parlamentar Mista de Meio Ambiente, Segurança Alimentar e Comunidades Tradicionais, coordenada pelo deputado estadual Iran Barbosa, do Psol, realizou audiência pública, na manhã desta sexta-feira, 3, na Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese), com palestras da professora Christiane Campos, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e coordenadora adjunta do Programa de Educação Ambiental com Comunidades Costeiras de Sergipe (PEAC); e do professor César Henriques Matos, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFS e conselheiro do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Sergipe (CAU/SE).

Também convidado para participar da audiência pública, Dom Vicente Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e membro da Comissão de Ecologia Integral e Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, não pôde vir a Sergipe por motivos de saúde.

De acordo com o deputado Iran Barbosa, a audiência pública cumpriu a tarefa de trazer para o centro do debate, no parlamento estadual, os desafios enfrentados na relação entre o Estado, os desafios ambientais, o modelo de urbanismo e de desenvolvimento e o respeito às comunidades tradicionais. Para o parlamentar, a realização da atividade é mais uma ação do seu mandato dentro de um conjunto de ações voltadas para as questões ambientais ao longo da sua atuação.

“Tenho procurado, ao longo de todo o exercício do nosso mandato, assumir e encabeçar a luta ambiental como um eixo permanente de ação, junto com a minha assessoria, enfrentando, inclusive, aqueles que são contrários a essa luta e tentam o tempo inteiro sufocar e silenciar os ambientalistas e as populações tradicionais. Essa é uma luta permanente da qual não abrimos mão”, enfatizou Iran Barbosa.

Deputado Iran Barbosa, coordenador da Frente Mista Ambientalista, entre os palestrantes

Momento apropriado

A professora Christiane Campos destacou que uma audiência pública tratando de meio ambiente, cidades e comunidades tradicionais vem num momento apropriado, diante do agravamento dos problemas ambientais e sociais em Sergipe e no país e do avanço desenvolvimentista sobre áreas de povos e comunidades tradicionais, além de acontecer perto da comemoração dos 50 anos do Dia Mundial do Meio Ambiente, no próximo dia 5 de junho.

“Vivemos numa sociedade em que o processo de desenvolvimento é usado como justificativa para a destruição da natureza e da exploração do trabalho dentro de uma ideologia que diz que o progresso é bom para tudo e para todos; no entanto, esse modelo de desenvolvimento econômico é guiado apenas pelo lucro, pelo acumulação de capital, não para atender as necessidades humanas. Isso somado ao discurso de que toda a sociedade tem que apoiar e como se em todos os espaços considerados pelos capitalistas como ‘vazios de progresso’, devem ser ocupados com esse mesmo modelo de desenvolvimento, desconsiderando as pessoas que vivem e cuidam desses espaços com práticas territoriais consolidadas”, disse.

“Por isso que povos e comunidades tradicionais têm sido as principais vítimas desses projetos desenvolvimentistas, porque são povos e comunidades que não têm seu modo de vida voltado para esse modo contínuo de acumulação de capital; e por isso são invisibilizados e tratados como se nada produzissem e como se não contribuíssem com a sociedade. Para além disso, os projetos desenvolvimentistas chegam com a promessa de reduzir a fome, a pobreza e as desigualdades, mas cada vez mais temos uma sociedade mais desigual, convivendo com mais fome e com o aumento da pobreza e das mazelas sociais”, completou.

Para Christiane, é importante lembrar que, a despeito de toda devastação ambiental registrada na esteira do modelo de desenvolvimento capitalista, especialmente no Brasil, a maior parte das áreas ambientalmente preservadas só estão nessa condição porque tem povos e comunidades tradicionais vivendo nelas e cuidando delas.

“São essas populações que efetivamente preservam o seu meio ambiente. Povos e comunidades tradicionais são a síntese dessa articulação, tão necessária, da questão social com a questão ambiental no Brasil, porque são essas populações que mais sofrem com aos problemas sociais, mas são elas que efetivamente cuidam e preservam o seu ambiente, não para fazerem discurso ambientalista, mas porque é uma realidade efetiva para elas. O modo de vida dessas comunidades depende da preservação das suas áreas tradicionais, seja no campo ou em áreas urbanas, e é dessa realidade que vem a força delas para lutar”, enfatizou a professora, ressaltando que a sua experiência, enquanto acadêmica, com comunidades e povos tradicionais de Sergipe tem ensinado que é possível construir saltos ambientalmente qualitativos na sociedade a partir da educação ambiental crítica e tentando enxergar sociedade e natureza de forma articulada.

Professora Christiane Campos, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Sergipe

Cidades excludentes

O professor César Henriques focou a sua fala na necessidade de se repensar o modelo de cidades implementadas dentro do contexto capitalista, permeadas por espaços excludentes, de segregação urbana e com um meio ambiente danoso, especialmente para a população mais pobre.

“Quem morre nas enchentes e nos deslizamentos de terra são os pobres. Nós precisamos repensar o nosso modelo de desenvolvimento urbano, porque se formos observar bem, estamos construindo cidades que se tornarão inabitáveis. O meio ambiente está em todas as dimensões da vida urbana, mas o nosso modo de ver e construir as cidades são sempre pautados pela ideia de um progresso que beneficia a todos, mas que na verdade beneficia uns poucos”, entende o arquiteto e professor.

Para ele, a ideia de asfaltar todas as vias nas cidades, por exemplo, é extremamente equivocada, porque impermeabiliza os solos e colabora no processo de enchentes e alagamentos, mas segue sendo copiado e repetido.

“Qual a necessidade, por exemplo, de se asfaltar os espaços de estacionamento nos shopping centers? Isso impermeabiliza grandes áreas de solo, sobrecarregando o sistema de drenagem durante as chuvas mais fortes. Por que cobrir os riachos de Aracaju? A maioria foi coberta e canalizada, e para a sociedade isso se tornou natural. Esses são apenas alguns exemplos de como produzimos cidades sem pensar e esses equívocos passam a ser naturalizados”, apontou.

César também destacou a problemática da moradia em áreas de risco, fruto da falta de política de habitação, de obras de drenagem melhor pensadas e estruturadas para as cidades.

“Infelizmente, hoje, quem decide onde, como e quando construir é o capital imobiliário. É ele que manda nas cidades, que planeja, entre aspas, e decide tudo sobre as cidades. Na nossa Zona de Expansão, por exemplo, uma área ambientalmente frágil, foi preciso a Justiça intervir para que a ocupação daquela área não se desse ao bel prazer do capital imobiliário”, afirmou.

Professor César Henriques, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da UFS e do CAU/SE

Por fim, o professor apontou que o Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Sergipe tem atuado nos últimos anos de forma incisiva nas questões ambientais e de planejamento urbano pensando na sociedade e incentivando a contratação de arquitetos e urbanistas, inclusive para auxiliar as populações mais pobres, além de estar acompanhando a revisão do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Aracaju, participando da sua construção, entre outras ações.

O arquiteto e professor destacou, ainda, que o CAU/SE e outras seis entidades estão produzindo uma carta, a ser entregue aos pré-candidatos às eleições deste ano, com sete eixos e 20 propostas para embasar políticas públicas capazes de impactar questões estruturais no território brasileiro.

Contribuíram, ainda, com o debate Izaltina Silva Santos, do Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe; Uilson de Sá, da Associação de Catadoras e Catadores de Mangaba Padre Luiz Lemper; e representantes do Movimento em Defesa da Lagoa Doce.

Estiverem presentes na audiência pública representantes dos mandatos dos deputados Georgeo Passos e Kitty Lima e da vereadora de Aracaju Linda Brasil; além de representações de entidades ambientalistas, da sociedade civil organizada, de órgãos e secretarias de meio ambiente e de comunidades extrativistas e quilombolas de Aracaju, Brejão dos Negros (Brejo Grande) e Tenório (Neópolis).