Os caminhos da educação civil frente ao modelo militar foi tema de debate na Alese

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A Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Assembleia Legislativa, por iniciativa do deputado Iran Barbosa, do PT, realizou, na tarde da terça-feira (15), Dia do Professor, Audiência Pública para debater “Os Caminhos da Educação Civil Frente ao Modelo Militar do Governo Federal”, com palestra do professor doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, Rudá Guedes Ricci.

“Muito importante esse debate, que está na ordem do dia. É preciso deixar evidente que o que as nossas escolas precisam do governo federal é de respeito e mais recursos para garantir que elas desenvolvam, autonomamente, os seus projetos pedagógicos, elaborados com participação de toda a comunidade escolar. Não dá para aceitar a imposição de uma militarização educacional e pedagógica. No Dia do Professor, é importante reafirmarmos esse compromisso, com a construção e o fortalecimento do projeto de educação que defendemos”, afirmou Iran Barbosa.

Em sua exposição, o professor doutor Rudá Ricci colocou a necessidade de que educação seja tratada como política de Estado e lembrou que os militares são também servidores públicos e que devem estar envolvidos nas discussões das políticas públicas. Entretanto, para ele, os militares são importantes no que fazem, mas não estão aptos e nem foram preparados para lidar com Educação.

“Não podemos cair no irracionalismo de achar que, em razão de a Educação brasileira enfrentar problemas, vamos abrir esse espaço para os militares ou outros segmentos de profissionais que não compreendem Educação. Imagina se fizéssemos isso na Saúde, que também não vai bem. Temos problemas no SUS, mas mesmo que eu esteja desesperado para salvar pessoas, sou sociólogo e não médico. Na ânsia de querer curar uma pessoa, eu, certamente, iria matá-la”, colocou, fazendo a mesma analogia com a Segurança Pública, que também enfrenta inúmeros problemas, mas que não cabe a outros profissionais, senão aos que foram preparados para atuar no setor, garantir a segurança da população.

Rudá lembrou que quase metade das crianças e adolescentes brasileiros vive na pobreza, o que afeta sobremaneira o desempenho escolar dos alunos nessas condições, e que não se vê o debate do combate a esse problema entre os militares, que desconhecem essa realidade. Ele também criticou a ideia de imposição de disciplina rígida nas salas de aula. Segunda Rudá, está mais que provado que disciplina militar no ambiente civil escolar não funciona.

Público presente à Audiência Pública na Alese

“A proposta de militarização das escolas no Brasil tem o sinal da boa vontade dos militares, o que deve ser acolhido, porque vem de servidores públicos que querem contribuir com aquilo que eles sabem, que é impor a ordem. Mas nós temos que dizer para eles que o Brasil é mais que militarismo e que tem educadores fantásticos. A Finlândia está sempre entre os primeiros lugares em educação. Mas sabe quem eles adotaram para formular as suas políticas de educação? Os brasileiros Paulo Freire e Anísio Teixeira. Esse é o caminho, e não entregar a nossa educação para os militares”, destacou o sociólogo e educador.

Concepções antagônicas

De acordo com Rudá Ricci, na concepção de escola militarizada a causa é o espírito indisciplinado, que tem relação com ímpetos selvagens, que devem ser domados com regras impostas; a didática desse modelo tem como objetivo convencer o estudante que é preciso ceder sua liberdade para viver em sociedade. O modelo é anglo-saxão, com foco apenas no resultado, com padronização e avaliação a partir do padrão desejado, e o sistema é centralizado para controlar.

Já a contraposição a esse modelo, na concepção de escola civil, o processo de socialização e educação se dá dentro e também fora da escola, exigindo conexões entre as duas dimensões, e a educação escolar ocorre quando se dialoga entre o que o estudante sabe e o que ele pode saber, estabelecendo-se uma zona de aprendizagem proximal. O modelo é latino, com foco no processo de formação (acompanhamento), a avaliação é múltipla para encontrar motivos para erros, e o sistema é descentralizado para motivar formulações.

O sociólogo também expôs dados socioeconômicos que fogem às concepções dos militares, que desconhecem a influência desses dados na aprendizagem e na realidade dos alunos. Entre esses números, Rudá apontou que a presença materna é fundamental para uma melhor aprendizagem entre as crianças.

“A mãe tem uma forte influência no índice de formação. A taxa de alfabetização daqueles que moravam com a mãe quando tinham 15 anos de idade chegou a 92,2%, enquanto entre aqueles que não moraram com a mãe na mesma idade foi de 88,1%. E os alunos cujas mães possuem pelo menos o ensino primário têm desempenho três vezes melhor que alunos cujas mães não possuem instrução formal”, destacou.

Ricci também apontou problemas na educação brasileira que simplesmente não serão resolvidos com a militarização do ensino e das escolas. Entre estes, o racismo, a violência e o alto índice de adoecimento dos professores em função do excesso de burocracia, do baixo retorno financeiro, dos desvios de função, da ausência de funcionários e apoio, e por agressões.

Deputado Iran Barbosa, membro da Comissão de Educação da Alese, ao lado do palestrante

“Esses são problemas que a militarização das escolas por si só não resolverá. Militares não entendem de educação e não sabem dos principais problemas do setor. Estão vendendo uma solução como tantas outras sobre as quais somos bombardeados diariamente. Educação não é só ter disciplina ou cantar hino perfilado, é coisa de profissional. Se está errado, vamos avaliar juntos e discutir quais as soluções”, disse o sociólogo, destacando a experiência positiva da cidade de Contagem, na Região Metropolitana de Belo Horizonte (MG), que conseguiu, no curto período de um ano, reduzir a evasão escolar e aumentar o desempenho dos alunos com intervenções humanas e criativas, como os professores não se limitarem ao tempo na sala de aula, indo à casa dos alunos com alguma dificuldade. Como resultado, a evasão escolar caiu 92% e a indisciplina 86%, e as notas dos estudantes aumentaram 64%.

Objetivos cumpridos

Para o deputado e professor Iran Barbosa, a Audiência Pública cumpriu com os objetivos, não apenas de conhecer melhor os argumentos para enfrentar o debate sobre a proposta da escola militarizada, mas também pelas experiências bem-sucedidas trazidas pelo professor Rudá Ricci, no campo da escola civil, cujo padrão é o referendado pela legislação educacional nacional.

“Nós temos uma educação construída e sustentada pelos educadores, pedagogos e por todos que estudaram e estudam essa área. As contribuições do professor Rudá nos ajudam a refletir sobre isso e a conhecer mais profundamente as experiências exitosas que vão numa linha de humanização da educação, e não da militarização para enfrentar os problemas”, explicou Iran, reforçando que os militares têm o seu valor e atuam bem naquilo para que foram preparados, o que não inclui a educação preconizada na constituição e na legislação educacional.

“Foi algo que o professor Rudá enfatizou muito bem, que cada servidor público deve cumprir as tarefas específicas no campo em que se formaram e atuam, e esse limite precisa ser respeitado. Nós, professores, estudamos para saber elaborar e lidar com projetos pedagógicos. Queremos construir esse espaço e exercitar com plenitude a nossa autonomia como autoridades docentes. Precisamos buscar o diálogo com os diversos setores da sociedade e encontrar as alternativas para resolver os problemas da educação, mas jamais com a militarização e sem abrir mão do nosso fazer profissional, permitindo que pessoas estranhas ao campo pedagógico assumam nossa tarefa”, reforçou o parlamentar e professor.

Fizeram parte da mesa e contribuíram também com o debate o deputado Adaílton Martins (PSD), presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Alese; a professora e presidente do SINTESE, Ivonete Cruz; o vereador de Aracaju Lucas Aribé (PSB); Naldson Gomes Santana, representando a OAB/SE; e a professora Aline Menezes, do Conselho Municipal de Educação de Aracaju – Comea.