A Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese) debateu, na manhã desta sexta-feira, 23, em Audiência Pública, as causas e os impactos das enchentes no bairro Jabotiana e em São Cristóvão. Trataram da questão, como palestrantes, a professora doutora Sarah Lúcia Alves França, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Sergipe (UFS); a procuradora Lívia Nascimento Tinôco, do Ministério Público Federal em Sergipe (MPF/SE); o professor e ambientalista Antônio Wanderley de Melo Corrêa, do Movimento Jabotiana Viva; e Stoessel Chagas, o Toeta, do Movimento em Defesa da Lagoa Doce; os dois ultimos representando os moradores das comunidades atingidas pelas enchentes.
Também contribuíram com o debate o superintendente de Recursos Hídricos de Sergipe, Ailton Francisco da Rocha; o secretário de Infraestrutura de São Cristóvão, Ricardo Barroso; e a professora doutora Vera Lúcia Alves França, do Departamento de Geografia da UFS. O secretário municipal do Meio Ambiente de Aracaju também foi convidado para o debate, mas encaminhou justificativa de impossibilidade de comparecimento.
“Foi um debate riquíssimo e muito importante porque nos trouxe elementos que apontam as razões que levam às enchentes naquela região. Para enfrentar isso, precisamos de análises e estudos que ajudem a entender o problema e a formular políticas públicas que ajudem a mitigar esses efeitos. Ouvimos especialistas, moradores da região, Ministério Público Federal, responsáveis por órgãos ambientais e pessoas de diversas áreas que trouxeram muitas informações sobre aquela realidade. Entendo que é preciso ter um plano de enfrentamento a essa difícil realidade, que sacrifica demais a população que vive nessas áreas de alagamentos, e isso passa por um zelo maior com as questões ambientais, por um projeto de ocupação responsável do solo urbano, e passa também pela responsabilidade do Poder Público com os moradores que estão nesses ambientes vulneráveis às enchentes”, avaliou Iran Barbosa.
Dispersão urbana e conflitos ambientais
Em sua exposição, a professora doutora Sarah França expôs dados do estudo “A produção da habitação no bairro Jabotiana: condomínios, dispersão urbana e conflitos ambientais”, realizado conjuntamente com a também professora doutora Vera França, pelo Centro de Estudos de Planejamento e Práticas Urbanas Regionais – CEPUR – da UFS, e que demonstram claramente que a construção desenfreada de empreendimentos habitacionais fechados, entre iniciativa privada e de programas habitacionais federais, nos últimos 15 anos, na região do Jabotiana, associado ao grande déficit de infraestrutura, em especial, de esgotamento sanitário e drenagem, provocou segregação espacial, dificuldade de circulação das pessoas, insegurança, choque entre o meio urbano e rural, além de fortes impactos ambientais, em uma zona permeada por várias áreas de proteção ambiental.
“No estudo, fizemos um ranking dos dez bairros que mais receberam a construção de unidades habitacionais, após o Plano Diretor de Aracaju (2000) e 2014, o Jabotiana ficou em primeiro lugar, com 51 empreendimentos construídos, o que vai contabilizar cerca de 10 mil unidades construídas. Considerando que cerca de 3,5 pessoas compõem uma família, serão 35 mil novos moradores numa área onde a infraestrutura é extremamente precária ou até ausente. Tudo isso com o consentimento do Poder Público”, apontou a arquiteta e urbanista.
Ainda segundo Sarah França, é possível constatar que o fenômeno das enchentes na região vem se tornando cada vez mais próximos, sendo que, a partir de 2015, as enchentes começam a se registrar ano sim, ano não.
“Isso vem se repetindo cada vez mais. Vamos ter que esperar 2020 ou 2021 para que se faça alguma coisa? A esperança é que não, mas é preciso que os gestores venham a atuar”, disse, apontando a taxa de permeabilidade do solo (5%) contido no Plano Diretor como uma das variantes responsáveis pelas enchentes, visto que é permitido a impermeabilização do solo em 95% das áreas construídas.
A arquiteta e urbanista apontou como alternativas um consórcio entre os municípios da Região Metropolitana de Aracaju para a resolução dos conflitos ambientais; a necessidade de revisão urgente dos Planos Diretores de Aracaju e de São Cristóvão, assim como o de outros instrumentos de planejamento urbano; uma maior organização da população na luta pelo direito à cidade para pautar as suas reivindicações; e a sociedade pensar conjuntamente e cobrar uma cidade mais igualitária,
equilibrada e democrática.
Ação Civil Pública
A procuradora do Ministério Público Federal, Lívia Tinôco, resgatou o acompanhamento feito pelo órgão com relação às recorrentes enchentes na região do bairro Jabotiana, lembrando que movimentos organizados de moradores procuraram o MPF após as cheias de 2015, quando já havia uma Ação Civil Pública em andamento, que foi ajuizada em abril de 2016.
“Após a ouvida de órgãos ambientais e de gestão urbanística do Estado e do município de Aracaju, além da Deso, constata-se que o problema tem relação direta com a ocupação inadequada do solo, com a chancela do Poder Público, avançando sobre manguezais e áreas importantes de contenção das enchentes. Portanto, no nosso entendimento, o problema é de gestão urbanística e ambiental. Não se trata de culpa de São Pedro ou vingança da natureza. O problema já é conhecido de todos e as gestões precisam se modernizar nas formas de lidar com a ocupação dos espaços públicos, se antecipar e diminuir os impactos e os incômodos sobre a população, atuando com um olhar sempre voltado para a sustentabilidade da nossa cidade”, entende a procuradora.
Lívia Tinoco destacou a Ação Civil Pública movida pelo MPF/SE, que pediu, em caráter liminar, que a Administração Estadual do Meio Ambiente (Adema) e o município de Aracaju paralisem todos os licenciamentos ambientais em andamento voltados a empreendimentos na região; também pediu que o município, a Empresa Municipal de Obras e Urbanização (Emurb) e a União sejam impedidos de conceder alvarás de construção, autorização de ocupações, ‘habite-se’ ou qualquer outro meio administrativo para uso e ocupação do solo na região, até que o problema da drenagem e esgotamento sanitário seja resolvido.
Ainda foi pedido que o Estado criasse e implantasse um Núcleo Comunitário de Defesa Civil para atuação específica no bairro, mediante a formação de equipe, realização de monitoramento do rio Poxim, planejamento e preparação das ações para atendimento das situações de emergência decorrentes de alagamentos na região, além da obrigação de a Deso implantar a rede de esgotamento sanitário e realizar o monitoramento permanente dos níveis de poluição e contaminação do Rio Poxim, e a Emurb realizar implantar e ampliar a rede de macrodrenagem, entre outras obrigações.
“É preciso que os órgãos públicos apresentem soluções no sentido de se antecipar aos problemas e amenizar o sofrimento da comunidade do Jabotiana. Infelizmente, porque o que deixou de ser feito até então já criou uma realidade de danos irreversíveis, mas é preciso encontrar soluções modernas e eficientes que amenizem esses danos”, afirmou Lívia Tinoco.
Mais fortes e volumosas
Em sua fala, o professor Antônio Wanderley fez um histórico das enchentes que acometeram a região da Jabotiana nos últimos anos, apontando que a cada ano elas vêm mais fortes e volumosas, chegando, atualmente, a 1,50 metro de água nas casas. Além da explosão imobiliária e do forte adensamento populacional, o ambientalista destacou outros problemas graves, como aterros de lagoas e de áreas de mangue, bem como grandes queimadas, crimes ambientais recorrentes que têm piorado as condições de habitabilidade na região.
“Infelizmente, grande parte das pessoas que vieram ou vêm morar nessa área da Jabotiana são enganadas. As construtoras e as imobiliárias fazem propagandas lindíssimas, chamando as pessoas para morarem no paraíso e colocando nomes bucólicos e poéticos nos empreendimentos, mas a realidade que se vê é outra bem diferente, em função da sucessão de erros e de problemas dessas construções”, disse.
O movimento apresentou sete propostas para a prevenção e combate às inundações do rio Poxim no bairro Jabotiana e adjacências, que envolve a revitalização das matas ciliares e dragagem do rio nos pontos de estrangulamento; limpeza periódica da micro e macrodrenagem da região; proibição definitiva de licenciamentos ambientais para grandes obras de construção civil; construção de uma barragem de contenção de águas pluviométricas no rio Poxim Mirim; ampliação dos efetivos e dos equipamentos do Corpo de Bombeiro e da Defesa Civil; instalação de uma rede de monitoramento hidrometeorológico de prevenção a inundações na sub-bacia do rio Poxim; e criação efetiva do Parque Natural Municipal do Poxim, incluindo toda a área da Jabotiana.
Cumprimento da lei
Por fim, Stoessel Chagas, o Toeta, do Movimento em Defesa da Lagoa Doce, cobrou o efetivo cumprimento da Ação Civil Pública do MPF/SE na defesa dos interesses dos moradores do bairro Jabotiana e da região. Para ele, isso já seria o suficiente para amenizar os danos que a população sofre a cada período de fortes chuvas.
“É fazer cumprir o que ali está escrito. Não precisaríamos reivindicar mais nada. A questão é, porque não cumprem? Temos esses problemas todos e desde 2016 há uma decisão judicial que manda cumprir. É difícil de entender. Nos resta seguir lutando e cobrando os nossos direitos”, afirmou.
De acordo com Toeta, além das construtoras, todos os órgãos citados na Ação Civil Pública do MPF/SE são também responsáveis diretos pelos problemas das enchentes na área da Jabotiana, pela omissão ou pela negligência em conceder licenciamentos e autorizações para a construção desenfreada de imóveis e empreendimentos na região. Para ele, é preciso sair do campo das promessas e partir para ações resolutivas.
“Queremos sair das promessas. Não queremos mais ser enganados. A Jobotiana precisa de melhorias. A especulação imobiliária é o nosso principal problema e é isso que precisa ser resolvido. É coisa simples, mas acaba sendo tão difícil pelos interesses envolvidos. As prefeituras de Aracaju e São Cristóvão liberam os empreendimentos, que operam sem fazer esgotamento, não fazem as pavimentações que deveriam ser feitas, não respeitam o meio ambiente, aterram lagoas, rios, assoreiam os canais, e tudo em nome da lucratividade. Essa situação não pode mais acontecer. A nossa região é uma área de várzea e assim deve ser tratada. É em área de várzea onde o meio ambiente se recupera e não pode ter a quantidade de construções como a que existe na Jabotiana”, enfatizou Toeta.
O representante dos moradores da região também colocou como crucial a defesa da Lagoa Doce, que vem sendo aterrada, inclusive pelo Governo do Estado, através da Deso, com liberação dos órgãos ambientais, para a construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). “Esse é um eixo principal da nossa luta, a preservação da Lago Doce. É preciso o embargo imediato daquela obra, até para que gente possa acreditar que decisão da Justiça tem valor”, colocou.
Encaminhamentos
O deputado Iran Barbosa, após as diversas intervenções dos participantes da Audiência Pública, colocou como encaminhamentos fortalecer a Frente Parlamentar Ambientalista na Alese, que está sendo reativada pelo seu mandato, convidando as entidades da Jabotiana para agregarem; bem como buscar dar desdobramentos, no que compete ao Poder Legislativo, às pautas encaminhadas pelas entidades, além de acompanhar de perto as questões que envolvem aquela região e cobrar dos órgãos o efetivo empenho em resolver os problemas apontados.
Se fizeram presentes na Audiência Pública, ainda, a deputada estadual Kitty Lima (Rede) e representações dos deputados Georgeo Passos (PPS), Diná Almeida (Podemos), Dilson de Agripino (PPS) e Maria Mendonça (PSDB), além de representações de várias entidades da sociedade civil organizada, ambientalistas, sindicalistas, estudantes de arquitetura e urbanismo, gestores públicos e moradores das áreas atingidas pelas enchentes.