Alese debate a efetividade da política de cotas na UFS e denuncia o caso do professor Ilzver Matos

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Professor Ilzver Matos, que luta para tomar posse como docente da UFS | Fotos: Jadilson Simões/Alese

A Assembleia Legislativa do Estado de Sergipe (Alese) recebeu, na manhã desta quarta-feira, 5, o professor Ilzver de Matos Oliveira, doutor em Direito pela PUCRio, ativista dos Direitos Humanos da População Negra e das Comunidades de Terreiro, que debateu, no Grande Expediente da Sessão Ordinária da Casa, o tema “A Efetividade das Políticas de Cota na Universidade Federal de Sergipe”. O Requerimento para a palestra foi de autoria do deputado Iran Barbosa, do Psol.

Para o parlamentar, a política de cotas raciais, a partir da vigência da Lei 12.711/2012, é uma conquista histórica não apenas para o povo negro, mas para todos que defendem um projeto de avanço civilizatório no Brasil, sendo um mecanismo de reparação para os negros e negras do país.

“Após o período de escravidão no nosso país, o que sobrou para o povo negro foi um processo violento de continuidade da exploração, como mão de obra barata, e de exclusão em todos os espaços, ainda que essa população represente a maioria do povo brasileiro. A luta do povo e do movimento negros e daqueles que consideram que o Brasil, com esse perfil, integra mais a sociedade da barbárie que civilizada, foi conquistando algumas ações reparadoras, entre as quais se insere a política de cotas raciais”, afirmou.

“Porém, as conquistas legais, em nosso país, nem sempre são suficientes para que o direito se efetive. Por isso a necessidade de estarmos abrindo esse espaço para que o doutor Ilzver possa tratar, com propriedade, desse assunto a partir a sua própria realidade, vez que teve o seu direito negado. E esta Casa Legislativa não pode silenciar diante da situação de negação de um direito que foi duramente conquistado pela população negra”, explicou Iran Barbosa.

Via-crúcis

Em sua explanação o professor doutor Ilzver Matos narrou a via-crúcis que vem enfrentando para tomar posse na vaga de professor no Departamento de Direito da Universidade Federal de Sergipe (UFS), após ser aprovado pelas cotas no concurso realizado em 2019.

“A minha história está marcada, desde 2020, como o primeiro caso público de negação de acesso por concurso público pela política de cotas para negros estabelecida pela Lei 12.990/14, na Universidade Federal de Sergipe. E até hoje esse caso segue sem resolução, com a UFS resistindo em me dar posse, mesmo diante de todas as comprovações”, afirmou, apresentando dados, documentos e atas dos acordos com o Ministério Público Federal (MPF) onde a instituição de ensino reconhece não ter cumprindo a política de cotas no concurso 11/2019 ao não empossar nenhum candidato negro, mas dando posse a oito candidatos brancos.

Ilzver apresentou dados demográficos onde Sergipe, com 2,3 milhões de habitantes, tem quase 80% da população declarada como negra ou parda, figurando como o quarto estado do Nordeste com esse perfil populacional.

“Portanto, é preciso garantir a essa população de cerca de 1,8 milhão de pessoas os seus direitos”, disse.

De acordo com Ilzver, o Brasil tem um conjunto robusto de legislação para garantir esses direitos, desde a Constituição, passando por tratados internacionais, pelo Estatuto da Igualdade Racial e pelas leis de cotas no ensino superior e nos concursos públicos, além de decisões importantes do Supremos Tribunal Federal que confirmaram a efetividade dessas duas leis.

“Apesar dessa robusta legislação, a UFS tem tido uma postura sempre reativa e não protagonista na aplicação dessas políticas afirmativas. Ela espera que as instituições fiscalizadoras ou que os movimentos sociais reclamem o direito para só então aplicá-lo”, disse o professor, apresentando notas públicas em que a instituição federal sempre reage às denúncias de não cumprimento das cotas em seus concursos, sempre negando o fato ou tentando minimizá-lo, mas nunca corrigi-lo.

Por conseguinte, diante dessa continuidade da negação do direito de tomar posse na vaga reservada à cota para negros (20%) no Concurso 11/2019 para o Departamento de Direito da UFS, Ilzver Matos explicou que teve que buscar o caminho da Justiça para garantir o seu direito, e o seu caso tomou proporções nacionais, chamando a atenção de personalidades negras que estão abraçando a sua causa, como a cantora Leci Brandão e o ator Helio de la Peña, assim como o maior jurista negro da atualidade, Silvio Luiz de Almeida.

As vagas existem

Ilzver Matos também apontou dados que mostram que não só a UFS, mas todas as instituições de ensino superior públicas não vêm, efetivamente, cumprindo a Lei de Cotas. Ainda de acordo com os dados apresentados, há 81 vagas livres para docentes na Universidade Federal de Sergipe, sendo que, especialmente para o Departamento de Direto, onde se dá a disputa, existem duas.

“Isso desmonta o argumento de que não podem me dar posse porque não mais existe vaga disponível”, afirmou, detalhando os vários pontos das atas das reuniões extrajudiciais feitas junto ao MPF, onde a UFS admite que não reservou as vagas no concurso de 2019 como a lei estabelece, optando por sortear essas vagas entre os departamentos, e não onde de fato a cota deveria ser preenchida; e não tendo candidato negro no departamento sorteado, essa vaga, na visão dos gestores da UFS, desaparece.

Ainda na sua explanação, Ilzver Matos destaca todo o périplo após uma Ação Civil Pública ter sido proposta pelo MPE e todas as manobras feitas pela UFS até que o caso chegasse na Justiça Federal da 20ª Região e, sem julgar o mérito, uma juíza extingue a Ação, favorecendo a UFS.

“Diante de toda essa situação de atropelo das leis e negação de direitos e de utilização de manobras judiciais para atrasar o gozo do direito de acesso à vaga pelas cotas na UFS, há uma reação do movimento negro e de setores sergipanos que criaram a campanha ‘Reaja ao Racismo’ contra o descumprimento da Lei de Cotas pela UFS”, explicou o professor, traçando um histórico das várias atividades realizadas e as respostas sempre reativas da Universidade através de notas públicas, insistindo na tese de que cumpre a lei e que não dá posse, no caso Ilzver, por não existir a vaga.

Por fim, o professor doutor destacou pesquisas feitas por instituições e pesquisadores sérios relacionadas ao não cumprimento da política de cotas nos concursos públicos das universidades e institutos federais brasileiros, e a UFS sempre aparece muito longe de cumprir os 20% previstos na legislação – entre 2014 e 2018, por exemplo, das 174 vagas ofertadas para docentes, apenas duas foram para negros, o que representa apenas 1,14%.

“É muito grande a exclusão da população negra da Universidade Federal de Sergipe, seja como aluno ou professor, e nós estamos falando da instituição que possui o terceiro maior orçamento em nosso estado, com quase R$ 774 milhões. São recursos públicos que estão servindo à exclusão da população negra em Sergipe. Isso é grave e criminoso. E a UFS precisa entender que ela não é uma ilha, apesar de querer ser impoluta, a única limpa, honesta, digna, no meio do caos que aqui expusemos”, enfatizou llzver Matos, ao fim da sua exposição.
Presente na Alese, Severo D’Acelino, histórico ativista e fundador do movimento negro em Sergipe, acompanhou a explanação e lamentou todas as manobras da UFS para não dar posse ao professor llzver Matos numa vaga que é sua por direito. Para ele, esse é só mais um caso em meio a muitos outros, e que reforça a realidade de exclusão e racismo vivida pela população negra sergipana.

“Esse é um processo perverso contra o professor Ilzver e mostra como é difícil ser negro, principalmente aqui em Sergipe, onde somos a maioria da população. Isso não é novo e nem de agora, mas o mais bizarro é que hoje a UFS tem um reitor negro. O que nós esperamos é que ele tome uma posição como reitor e resolva essa questão, dando posse ao professor Ilzver. Ele tem todas as condições de fazer isso, e, fazendo isso, terá todo o respeito da comunidade negra”, entende Severo D’Acelino.